Mundo Mulher

Historinhas para adultos - Dra.Carmem Bruder

 

Uma jovem que, depois de beijar um rapaz numa festa, adoece gravemente e os médicos constatam que a doença dela é devida a uma bactéria que só existe em defuntos.


Depois de muito pesquisar, descobre-se que o tal rapaz do beijo é necrófilo e mantem dois corpos em sua casa, com os quais se relaciona sexualmente. Tem mais, esse moço está solto em Goiânia, atrás de novas vítimas. A próxima, pode ser você ou sua filha.

Você acredita? Não? Mas quem contou jura que conhece a enfermeira que trabalha no hospital onde a moça agoniza e, que é a pura verdade. Diz-se até que a polícia já está no encalço da figura, já saberia até onde ele mora.

E em agulhas de injeção deixadas em bancos de cinema contaminadas com AIDS, você acredita? E na criança que morreu picada por cobra na piscina de bolinhas?

Por que, de quando em vez, boatos dessa ordem são esparramados por ai, ganham as ruas e, na época da Internet, se internacionalizam? Isso é bom ou ruim, serve pra alguma coisa ou é puro desperdício de tempo?

Essas são as chamadas lendas urbanas, versão contemporânea dos contos de fadas infantis e universais. São histórias fabulosas, cheias de imaginação, com alguns elementos de verdade e com algumas preocupações legítimas, divulgadas oral e virtualmente. À semelhança dos mitos, como os de Édipo Rei, de Narciso, de Hércules e tantos outros, tentam explicar como sendo armadilhas do destino, muitas das vezes predestinadas pelos oráculos lendários, os fenômenos da vida, a origem do homem e, sobretudo a violência de suas pulsões e paixões.

Era uma vez... Tal como nas fábulas infantis, se passam na “terra do nunca”, “no tempo em que os bichos falavam”, isto é, não são localizáveis no tempo nem no espaço. É alguém, muito amigo de um conhecido, de muita responsabilidade e competência que viu tudo e que sustenta os acontecimentos como legítimos.

A finalidade é de que as pessoas se identifiquem ao personagem bom e descarreguem sua agressividade contra o ruim, diminuindo a angústia que sentem por estar se privando de algo que, de certa forma, desejariam fazer, mas estão impedidas pela força superegórica. Ainda que o personagem bom da lenda urbana venha a falecer, os que a contam estão a salvo. O final feliz está garantido a quem não cair nas mesmas tentações que levaram a vítima ao triste fim.

Os mesmos elementos que sustentam Chapeuzinho Vermelho, Peter Pan,  A Pequena Sereia, sustentam as inúmeras lendas contemporâneas. Através da fantasia há um escape para os medos, as ansiedades,  os desejos conflituosos, os sentimentos vis de rivalidade, inveja, ódio, os conflitos edípicos, enfim, para tudo aquilo que angustia crianças, mas também, adultos. Permitem aliviar a pressão exercida por esses problemas e facilitam tolerar a frustração de não poder agir como se gostaria. Trazem, como prêmio de consolação, o final feliz para aqueles que souberem se comportar bem.

Querem ver? A belíssima loira que encanta caminhoneiros na beira da estrada, os convence a segui-la, apesar de todo o risco que isso representa, e depois os mata, nada mais é senão a versão moderna e terrestre das famosas sereias com seus doces cantos, numa época em que a navegação já não se da pelos mares, como antigamente.

Nos fazem mal? Tanto quanto as fábulas fazem mal às crianças, ou seja, na verdade, nos dão alento e até um certo prazer. Por isso, existem.

 

Carmen Bruder é médica e psicanalista

cbruderfonseca@hotmail.com

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