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DROGAS - Um prazer acima de qualquer outro

A psicanalista Carmem Maria Bruder explica que a cocaína “hipersensibiliza” o cérebro. Ela age no sistema de recompensa do nosso sistema nervoso central.

O usuário passa a considerar o prazer proporcionado pelo vício acima de qualquer outro, mesmo percebendo que sua saúde está deteriorada e que a sua vida pessoal e profissional, suas relações familiares e amorosas estão prejudicadas.

Disfunção

Esse comportamento é um reflexo da disfunção cerebral provocada pela droga, que, observa Carmem Bruder, compete com substâncias importantes produzidas pelo organismo e até substitui várias delas. “Outras fontes de prazer perdem o significado”, explica.

O personagem que abre esta reportagem diz que manteve o vício por quatro anos e o abandonou porque começou a se sentir muito enredado pela droga. “No início, usava em grupo. Depois, fomos ficando eu e ela. Aí, percebi que estava perdendo o contato com o mundo real. A droga estava se tornando minha única referência.” Nem todas as pessoas têm a mesma capacidade de discernimento, garante Carmem Bruder.

“Não dá para saber o momento exato em que o sujeito deixa de ser ativo para ser passivo em relação à droga, especialmente a cocaína”, afirma. O ex-usuário fez psicanálise e consultou-se com um psiquiatra para conseguir, como ele relata, restabelecer seu contato com o mundo real. “Eu creio que a minha dependência foi mais psíquica do que física”, conta. sem recaídas O retorno foi bem-sucedido. “A cocaína torna o mundo real pior do que ele é. Mas eu escolhi a realidade, as minhas relações familiares, o meu relacionamento amoroso.” Já se vai um ano sem a droga, sem sofrer recaídas. “As pessoas do grupo que freqüentava continuam usando. Eu consegui porque, na verdade, desde o início, lutei contra.”

“A droga é a pior imitação da loucura que conheço. E quem quer ver-se livre dela precisa mudar de ambiente para conseguir.” Advogada, ex-usuária, de 24 anos "Ela (a cocaína) é sedutora e te leva para um plano diferente do mundo real. Você se sente o cara.” Profissional liberal, de 48 anos, ex-usuário “Parei quando encontrei o que gostava realmente de fazer, o que me preenchia como pessoa.” Jornalista, ex-usuária, de 23 anos “A droga está para os adolescentes de hoje como uma calça da Zoomp estava para os jovens dos anos 80.” DJ, que não é usuário “A droga é multiuso, serve para se divertir, fazer sexo ou competir no mundo dos negócios .” Profissional liberal, 48 anos, ex-usuário “Tem em todo lugar. Não é preciso ir a uma boca para comprar. Basta olhar em volta, falar com as pessoas.” Advogada, ex-usuária, 24 anos

Pesquisa mostra influência de gene A dependência é multifatorial. “Ela é determinada por fatores biológicos ou genéticos, psicológicos e sociais”, explica Ana Cecília Petta Roselli Marques, do Departamento de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria. Pesquisa feita com ratos de laboratório na Europa e, depois, com consumidores de cocaína em São Paulo, descobriu que o gene CaMKIV é o responsável por controlar a resposta da cocaína no organismo. Ele protege contra a droga. De acordo com a pesquisa, publicada recentemente na revista americana Proceedings of the National Academy of Sciences, sem o gene, os circuitos cerebrais ficam mais vulneráveis e a cocaína tem impacto maior e efeitos mais longos. Na avaliação de 670 consumidores freqüentes de cocaína e outros 726 indivíduos saudáveis no Brasil, segundo a pesquisa, ficou clara a associação entre o gene e a dependência. Outro estudo, realizado por cientistas franceses e divulgado pela Academia de Ciências dos Estados Unidos e pelo Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França, mostrou que as condições de vida também podem fazer enorme diferença no tratamento do vício e na prevenção de recaídas.

Ratos Ratos viciados em cocaína colocados em gaiolas com um pequeno abrigo, rodas para correr, túneis e outros brinquedos trocados uma vez por semana, para estimular sua curiosidade e sua atividade social e física, um mês depois não apresentavam mais comportamentos ligados à dependência. A dependência é um processo de aprendizado. Quando está sem cigarros, o fumante fica irritado e sua capacidade de concentração diminui. Ele fuma e o desconforto desaparece, mas volta depois que o nível de nicotina no cérebro cai. O dependente, seja de cigarro ou de cocaína, usa a droga pelo efeito agradável que proporciona, mas também para evitar o incômodo que sua falta produz.

Quem quer abandonar a droga deve ficar longe dela. A simples visão da cocaína causa a fissura, que os especialistas chamam de craving. O estímulo visual faz com que o cérebro já comece a se preparar para recebê-la. Para o dependente, é quase impossível resistir. Por isso, para o tratamento ser bem-sucedido a pessoa precisa se afastar completamente de qualquer situação que a estimule a usar a droga. “Ela (a dependência) é determinada por fatores biológicos ou genéticos, psicológicos e sociais.” Ana Cecília Petta Roselli Marques, da Associação Brasileira de Psiquiatria

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