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Vaidade assumida

Os homens brasileiros admitem que estão mais preocupados com o visual, mas ainda têm receio em ousar quando o assunto é moda

Para quem reclama e reclama que a moda masculina é sempre sem graça, igual e monótona, um aviso: o verão 2008 promete um homem mais moderno. O estilo informal formalizado - na linha de short com paletó ou pelo menos gravata e um smoking cropped, por exemplo - ditou o ritmo dos desfiles nas semanas de moda da Europa e dos Estados Unidos. O grande problema é que as criações das passarelas podem levar muito tempo para que algum homem (de verdade) as queira usar. Este é o ponto crucial do mercado de moda masculina: quando o assunto é moda, homens têm medo de ousar.

"O homem é mais despreocupado com moda. Muitas vezes é a mulher quem escolhe suas roupas. Não têm paciência, vivem apressados nos shoppings. São imediatistas. Pegou e levou. Depois a mulher tem de voltar para trocar duas, três camisas iguaizinhas", explicou a consultora de moda e estilo Glória Kalil, em recente visita a Goiânia. Para ela, a moda masculina ainda engatinha no Brasil. Podem-se contar nos dedos as marcas e revistas com foco exclusivo nos homens.

As mulheres se cuidam mais e têm opções para isso. Prazer, seu guarda-roupa O professor de educação física Kersson Bastos, de 28 anos, confessa ter pouca intimidade com o próprio guarda-roupa. "Não sei quantificar as peças, mas procuro ter um estilo próprio, mais esporte e descontraído", define. Ele considera natural o fato de o homem ser mais desligado com a moda do que a mulher e critica os exageros dos chamados metrossexuais (rapazes que têm como modelo o jogador David Beckham, usam creminhos e sabem a importância de Balenciaga e Givenchy para a humanidade). Kersson acredita que o ideal é o equilíbrio: nem desleixado demais nem arrumado demais

. "A moda massifica as pessoas. Fico assustado quando um cara vem me dizer que fez a unha francesinha", conta. Para especialistas, o próprio conceito de metrossexual no início desta década afastou ainda mais alguns homens do universo fashion. Em dúvida sobre as fronteiras da masculinidade, heterossexuais evitariam comportamento "suspeito", temendo ser confundidos com gays. Glória Kalil defende que para um homem construir seu estilo é preciso disposição para se informar, disciplina para treinar o olho e até uma dose razoável de autoconhecimento.

Se o metrossexual, em termos de mercado, não emplacou, a indústria da moda volta agora seu foco no homem que não admite que se brinque com nenhum dos seus códigos de masculinidade. De volta ao shopping, é fácil provar que homens compram, já mulheres vão às compras. A diferença parece sutil, mas indica o abismo que existe no comportamento dos gêneros na hora de lidar com o vestuário. "Eles costumam ir direto ao que precisam. Elas são detalhistas", compara Luciana Macedo, vendedora de uma loja de grife masculina. Ela explica que, quando o homem vai sozinho comprar roupa, a negociação é mais rápida. "Ele prova um modelo, se gostar, leva vários, só mudando a cor. Se a mulher estiver junto, ela o faz experimentar todas as roupas. Alguns homens encaram o ato como uma tarefa aborrecida." O comerciante José Aquino de Souza, de 54 anos, não dispensa a companhia da mulher, Janaína, de 48, na hora de comprar suas roupas. "Confio plenamente no gosto dela. Na minha idade, o importante é só não aparecer com a meia furada", brinca.

Na contramão de José, está o cantor Fernando Perillo, habitué da primeira fila dos desfiles de moda em Goiânia. "Desde pequeno, desenho minhas roupas. Meu pai tinha uma loja de tecidos em Palmeiras. Gosto de moda e de estar bem informado. A roupa diz muito sobre quem você é e o que você pensa." Para o cantor, a ligação da moda com a música é forte. "Você não precisa escutar o som de uma banda para saber se ela toca rock ou sertanejo. Basta entender o visual", exemplifica.

" 'Brasileiro aprendeu a se cuidar'

" Coisa de homem Brasileiro aprendeu a se cuidar' Gerente de marketing de uma tradicional rede de roupas masculinas, Patrícia Amaro afirma que o brasileiro está cada vez mais vaidoso e seguidor de moda. "O cenário da moda masculina no Brasil está em transformação crescente. Ela já conquistou seu espaço e apenas uma parcela muito pequena ainda vê a moda sob uma ótica machista.

O homem brasileiro aprendeu a se cuidar, a decidir o que quer e como quer se vestir e, acima de tudo, percebeu a importância de estar bem vestido, seja para seu bem-estar, para agradar sua mulher ou por status", revela. Mas o machismo latino ainda impediria a expansão deste mercado? "Em absoluto. O homem latino é o mais sexy do mundo. Muito da sua fama tem a ver com a maneira com que ele se veste. E o brasileiro, especificamente, adora moda, embora não admita

. Mesmo os mais conservadores têm muito cuidado com a aparência. Se você prestar atenção, verá que um homem não sai para um encontro com barba por fazer ou roupas velhas, independentemente do estilo dele: conservador, moderno, esportivo ou casual. Todos se preocupam bastante com a aparência, e isso é moda", ensina o jornalista de moda Ronald Villardo, editor da primeira página do portal Globo.com e autor do blog Gente Fashion.

" Coisa de homem

Forma mais austera de se vestir foi imposta aos homens pelas Revoluções Industrial e Francesa. Antes, vestuário masculino era muito mais suntuoso Renato Queiroz A moda sempre foi algo pertencente ao universo feminino e gay, certo? Errado. Quem conta a história é a antropóloga Miriam Costa Manso, coordenadora do Curso de Design de Moda da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (FAV/UFG). "A julgar pela importância emprestada à moda pelo público feminino, a mulher parece ter sido escolhida como a vítima perfeita do fenômeno.

Mas nem sempre foi assim", explica. Segundo ela, em um passado menos distante do que poderíamos supor, a história da moda foi, também, uma história de homens. "A eles, muitas vezes, eram destinados os mais luxuosos tecidos, as mais belas roupas e a mais espetacular ornamentação, que incluía jóias, pedrarias, peles e plumas", esclarece. ] Miriam conta que o vestuário masculino na Idade Média não fugiu das imposições estéticas tão comuns nos dias de hoje às mulheres. "Eles incluíam enchimentos que valorizavam virilmente o tórax e os ombros, forros abdominais bem encorpados que acrescentavam prósperos ventres à figura, ou proeminentes acolchoados sobre os órgãos genitais, acentuando agressivamente a potência do macho." Enquanto o modo requintado de se vestir podia ser interpretado como uma das mais privilegiadas expressões de fortuna e poder, a liderança foi assumida quase que exclusivamente por homens

. Saltos altos, perucas e penteados, maquiagem, acessórios e roupas ajustadas eram parte da indumentária masculina. A mudança veio com a Revolução Industrial (1760-1860) e a Revolução Francesa (1789): os homens tiveram de, literalmente, arregaçar as mangas e transferir para as mulheres o "direito à vaidade". Despojamento "O súbito (e enganador) despojamento, apresentado no vestuário masculino, a partir do final do século 18, deve-se acima de tudo a causas de ordem política e social. Os novos ideais defendidos pela Revolução Francesa eram incompatíveis com o esplendor e a magnificência das vestes que poderiam sublinhar as diferenças sociais.

A valorização do trabalho, que deixou de ser considerado uma contingência degradante à dignidade das camadas sociais superiores, levou à adoção de uma indumentária mais simples e adequada à atividade produtiva. Nesse instante, nasceu o homem que acreditava ganhar, em prestígio e poder, aquilo que perdia em aparência pela relativa simplicidade dos trajes", explica Miriam. Para a antropóloga, atualmente o homem renova seu antigo interesse pela moda

. "Na realidade, nunca existiu uma verdadeira renúncia masculina a esse interesse. Apenas o homem passou a consumir de forma indireta, vestindo luxuosamente suas mulheres, como uma demonstração do próprio status e poder econômico." Segundo Miriam, nas passarelas brasileiras a criatividade dos estilistas desvencilhou-se de velhos preconceitos e correu em busca de novas propostas, mais lúdicas e descontraídas. "Já são permitidas as estampas ousadas e as cores chamativas. Já se vêm grandes bolsas serem carregadas nas mãos, fazendo par com sapatos em tonalidades vivas. As roupas de grife, única concessão feita ao homem elegante até bem pouco tempo, foram substituídas por peças que permitam a construção de uma identidade marcante." É a volta deles para o mundo fashion

Fonte: Jornal O Popular/Renato Queiroz

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