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BULLYING – A VALENTIA CRIMINOSA - Dra. Carmem Bruder

  Palavra de origem inglesa, que vem sendo amplamente usada em nosso País, sem equivalência exata em português, só pode ser definida por toda a maldade que carrega, significando: agredir, amedrontar, assediar, atormentar, aterrorizar, bater, chutar, caluniar, difamar, discriminar, divulgar apelidos, dominar, empurrar, “encarnar”, excluir do grupo, fazer sofrer, ferir, “gozar”, humilhar, ignorar, isolar, intimidar, ofender, perseguir, “sacanear”, roubar, destruir, quebrar pertences, “zoar”, denegrir, dentre outras coisas mais. Enfim, todos os atos de violência física e psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um ou mais indivíduos, com o intuito de intimidar ou agredir alguém incapaz de se defender, seja pessoalmente ou através de qualquer meio, incluindo-se ai a Internet, que tem a velocidade de um rastilho de pólvora.

 

Trata-se de um crime grave, com múltiplas formas, inúmeros alvos e que, por passar despercebido, muitas das vezes, acaba por punir severamente as suas vítimas, não raro ao longo de anos a fio. São vítimas do bullying as pessoas alvos, que sofrem as agressões; os alvos/atores, que hora sofrem, hora praticam o bullying; os próprios autores, que praticam o bullying; as testemunhas, impotentes diante de tanta agressão e a sociedade como um todo, que assiste a violência contaminando os locais mais puros e íntimos da sociedade.

 

Talvez seja esse o ponto mais nevrálgico da questão, a forma como a violência se alastra, emergindo do “under ground” para a luz do dia, do cotidiano, da vida de nossos filhos.

 

E quando se trata de crianças e jovens, a escola é o ponto de referência, lugar de fazer amigos, de crescerem juntos; além dos estudos, eles conversam, brincam, riem, jogam. O que mais magoa os adolescentes é ser motivo de deboche dos colegas, principalmente na escola, o lugar onde é mais importante ser aceito pelo grupo. Em muitas delas, à margem do aprendizado e da amizade, as agressões se tornaram praticas freqüentes. Pesquisas recentes mostraram que 40% dos alunos já foram autores e vitimas de agressões. Destes, as maiores vítimas, 56%, são alunos da quinta e sexta séries, logo, na mais tenra adolescência. As marcas ai deixadas podem se tornar verdadeiras cicatrizes, não só físicas, mas, principalmente, na estrutura psíquica, produzindo indivíduos sem estima própria, medrosos e, até mesmo, desequilibrados emocional e mentalmente.

 

Isto se agrava ainda mais quando acontece de forma surda, sem escuta, causando no agredido desespero e medo, pois, além das agressões expressas, há a ameaça que, pela intimidação, potencializa a violência e eleva o medo à categoria do pavor. O agressor tende a ser o agressor futuro, o valentão, o caça-confusão, mais forte e poderoso, respeitado pelo grupo, pelas testemunhas que se intimidam e não conseguem fazer nada. Ele tende a reproduzir isso na sua vida social futura, repetindo em casa e em sociedade o comportamento agressor. Não raro, na média adolescência, aos 16 anos, já começam a fazer parte de gangs, se drogando, pixando, brigando, dominando pelo medo, quebrando tudo e todos, se preparando mais e mais para o crime e para o tráfico.

 

Trata-se de um cenário perigoso, onde o que está essencialmente em jogo é a potência de cada um. Para a vítima, impotente quando agredida, o perigo é de eternizar sua impotência diante do mundo. Para o agressor, a falsa sensação de potência faz dele um impotente de altíssima periculosidade. Os que oscilam entre os dois pólos, agredindo e sendo agredidos, tentam sair de uma absoluta impotência para uma falsa potência.  As testemunhas, ou endossam a impotência ou se iludem com a falsa valentia. Para a sociedade, incluindo-se ai as famílias, as escolas, os clubes, as rodas de amigos, que invariavelmente se encontram num ou mais desses pólos, o cenário não é outro.

 

Só há uma arma diante da impotência, a atitude. Aos pais cabe impor limites a seus filhos dentro de casa, desde cedo, pois, como dizia Freud, “educar é frustrar”. Cabe também a presença constante, o tempo dado aos filhos, o conhecimento de que algo não vai bem com eles, que exige intimidade e amizade, única forma de detectar precocemente se estão sendo vítimas da maldade do mundo. À escola cabe a prevenção, a educação, o falar sobre isso aberta e francamente desde cedo com os alunos e com os pais, alem da punição, severa, exemplar, para que o mau exemplo não tome ares de heroísmo. E. ainda, a cada cidadão cabe bem exercitar a justiça, usando uma mesma e exata medida para o que deseja pra si e para os outros. Mas, uma coisa é certa, o sucesso depende do envolvimento de todas essas esferas, do individual ao coletivo, em especial da família, vez que apesar de ser a escola o palco principal das agressões, é a família a grande responsável pela educação e pelos valores que devem ser passados aos filhos dos homens.

 

 

Carmen Bruder é médica e psicanalista

cbruderfonseca@hotmail.com

 

 

 

 

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