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De brigadeiros, quindins e beijinhos - Flávio Paranhos

De brigadeiros, quindins e beijinhos - Flávio  Paranhos

07/08/2014

Repercutiu na imprensa inglesa a história da “gafe” cometida pelo chef-star Jamie Oliver aqui no Brasil. A gafe: num programa de TV, declarar que o brigadeiro, o quindim e o beijinho são doces horríveis. Do primeiro gosto mais ou menos, pelo segundo sou apaixonado (embora com um trauma de bases freudianas, que explico já), mas o terceiro não sei o que é.

Matéria no The Guardian comentando o assunto rendeu uma enxurrada de comentários, tanto de ingleses (a maioria) quanto de brasileiros. Muitos com a mesma opinião que eu, a saber, que a reação dos brasileiros ao “insulto” foi desproporcional. Diria até, infantil.

Até porque, convenhamos, não se trata de insulto, nem passa perto. E daí que um cidadão não gosta de um doce de que eu gosto? Caramba! (Toda vez que uso essa gíria me lembro do Fábio Jr. em Dancin’ Days). É um símbolo nacional? Que seja. Continua sendo um doce e, como tal, passível de avaliação subjetiva. Aliás, obrigatoriamente avaliação subjetiva. Assim como artes plásticas, literatura, cinema, música, filosofia (sim, filosofia também), etc.

Apesar de escaldado, nunca deixo de me surpreender com a reação das pessoas quando emito uma opinião de gosto. Se digo que Woody Allen é superior a Dostoiévski, que Amor a Roma foi o filme mais escandalosamente desonesto de Woody, que Roth, Proust e Joyce só conseguem ser é chatos mesmo, que Cora é pueril, que é preciso ser limítrofe para se deixar dobrar pela baba de calango do Sócrates platônico, as pessoas se ofendem, me xingam, dão carteiradas (quem é você para emitir tal opinião?!), é impressionante.

Não que eu não entenda que um fã de Dostoiévski me ouvirá e terá pena de mim (“Senhor, perdoe-o, ele não sabe o que está falando”). Pode até mesmo querer, amistosamente, me doutrinar. Pode ser que tente mostrar que há critérios objetivos. E aí será minha vez de ter pena do infeliz. Não há. Por mais que cite fulano ou sicrano, por mais que “erudite” pra cima de mim, serão citações. Quem decide que fulano é bom é fulano, baseado em fulano, que se baseou em fulano, ad infinitum. E, assim como os juízes, primeiro decidem (baseado no que acham que é sua consciência) e só depois vão atrás de fundamentação para dar suporte à sua escolha, nós, os juízes do gosto, primeiro decidimos gostar, depois buscamos as “evidências”.

Evidências que, por sinal, abundam nas neurociências a respeito de quão pouco confiáveis somos a nós mesmos. Não nos damos conta dos vieses que nos controlam como marionetes.

Ah, sobre o quindim. Só gosto da parte de cima. Daí minha mãe dizia: “Se comer só a parte de cima, comerá só um.” Desnecessário dizer que comia escondido. E que isso me deixou um trauma para a vida.

Publicado em O Popular
flavioparanhos@uol.com.br

 

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